O Pedro e a Carolina
Estava a ver o podcast/programa A Duas Vozes da Carolina Deslandes onde ela fala com Pedro Abrunhosa, logo um dos maiores autores portugueses.
Foi por volta do minuto 13:45' que ele disse algo que me despertou para qualquer coisa que também se passou comigo, mesmo sem eu dar conta.
Explicando como começou a viajar sozinho pela Europa muito novo, com apenas 13 anos, Pedro Abrunhosa revelou algo curioso:
"O Portugal pessimista, com vergonha de si próprio, não me chegou a contaminar, porque de repente vejo-me lá fora, português, igual a tantos outros miúdos de outros países e achava que era igual na cultura e conhecimento. E quando regressava, vinha com a ideia de que Portugal é um país fantástico que produzia coisas interessantíssimas de partilhar com aquela gente."
Primeiro, deixem que vos diga: que homem tão inteligente!
O que ele diz sobre o Portugal com vergonha de si próprio é tão real, embora se calhar quem só está dentro não o veja assim.
Eu, um português em Berlim, depois de viajar muito em trabalho e lazer, depois de viver vários anos cá fora e em diferentes países e cidades, comecei a dar muito mais valor ao que se produz em Portugal.
Já ouvia, mas comecei a ouvir ainda mais música portuguesa, Carolina incluída, e sem a vergonha de assumir que gosto de uma pop portuguesa leve, mas também de uma mais pesada, bem como de outra mais chiclete.
Quando se vive algum tempo em países como Itália e Alemanha, como foi o meu caso, vê-se que eles consomem tanta música sua.
Vão lá espreitar os tops italianos. É incrível. E há para todos os gostos.
Quando trabalhei num hotel na Sardenha, em Itália, fazia parte do grupo de animação e a maior parte das músicas que nós dançávamos eram hits italianos. Fazendo o mesmo tipo de trabalho em Portugal, só tocávamos música americana, espanhola ou sul-americana. Não me lembro de uma única música portuguesa fazer parte do trabalho. E porquê? É essa vergonha implícita?
Aprendi muito com isso em Itália. E hoje, mesmo já não vivendo lá, continuo a devorar música italiana.
Há ainda outro factor, no meu caso, pois tendo passado os últimos 7 anos sempre a falar em inglês, italiano e alemão no trabalho, com umas conversas em português, espanhol e francês pelo meio, fui perdendo muito vocabulário ou a agilidade da minha própria língua (acreditem, isto acontece!). Isto de falar várias línguas é incrível, mas tem os seus custos. Ouvir muita música portuguesa, bem como ler muito em português, foi essencial para me manter próxima à minha língua-mãe.
Talvez me tenha tornado no típico emigra que só ouve música portuguesa, mas a verdade é que hoje o meu Spotify toca sobretudo música nossa. Tanto ouço um fadinho com Amália ou Ana Moura (que até vi ao vivo aqui em Berlim este ano), como relaxo com um rap ou hip hop tuga do Slow J (um artista que idolatro!) ou Dillaz, sendo este o estilo que mais consumo por agora. Mas também adoro a pop sem receios da Carolina Deslandes, André Seravat e Inês Monstro, a novidade que traz o fado da Sara Correia, a intervenção liricista de A garota não ou a africanidade maravilhosa do último álbum da Soraia Ramos (ela que já foi uma emigrante como eu). E sou obcecado com a composição do Pedro Mafama, que já conhecia bem antes da explosão do Preço Certo. Vão la ouvir o Por Este Rio Abaixo, um álbum com letras incríveis que ele escreveu e compôs bem antes de chegar à...fama.
Mas ouço muito mais, muito mais mesmo. Estes são só alguns exemplos. E mostro muita música portuguesa aos meus amigos estrangeiros. Da nova e da antiga. E muitos adoram os nossos sons e ritmos.
Quando falo com amigos portugueses, que continuam no nosso país, muitos deles nem sequer conhecem metade dos artistas que ouço...
Parece que em Portugal há a vergonha da própria língua, que se for em inglês soa melhor, que o mesmo ritmo latino em espanhol, embora tenha os mesmos valores de produção de uma Ana Malhoa, desliza melhor.
Que raio de mania!
E logo nós que temos poemas tão lindos na nossa música, não é Pedro?
foto: Pedro Abrunhosa e Carolina Deslandes - Instagram