Natal não é bem isto
O meu Natal, desde que cresci para lá da minha zona de conforto e me pus a correr o mundo, passou a ser muito diferente daquilo que tinha sido ensinado sobre o que significava celebrar estes dias.
Em vários anos, por culpa do trabalho na aviação, passei-o literalmente nas nuvens, a voar bem lá em cima, a levar pessoas de um lado ao outro, juntando famílias e amigos enquanto eu próprio ficava longe dos meus. Nunca me arrependi de me voluntariar para trabalhar nesses dias (a empresa dava-nos essa opção) e, como havia colegas que tinham fillhos pequenos e tal, não me custava abdicar disso, sabendo que outra pessoa podia aproveitá-lo melhor. Guardo até memórias bonitas desses voos (sobretudo quando os passageiros nos traziam chocolates, pastéis de nata, cartões com mensagens bonitas e mais...).
Antes disso, quando participei no projecto de Serviço Voluntário Europeu em Itália, já o meu Natal tinha sido bem diferente. Éramos voluntários. Não tínhamos muito dinheiro. Então eu e mais duas voluntárias, sozinhos na noite de 24, fomos ao supermercado e comemos uma pasta barata com pesto e mais um panettone gigante que estava em desconto. Soube-me pela vida. Ensinou-me a valorizar o pouco. O dia 25 passei-o sozinho, mas tranquilo, e a fazer a mochila para viajar para Florença, onde cheguei no dia 26 (em Itália ainda se festeja esse dia). Fiquei num hostel baratinho, partilhando um quarto, não comi uma única vez em restaurantes para poupar dinheiro, e hoje é das minhas melhores memórias da época. Quem já esteve em Florença, saberá bem porquê...
Em 2018, já a trabalhar na aviação, calhou-me não ter de voar nesse dia. Fui, com mais duas amigas portuguesas lá da companhia áerea, servir à mesa na consoada para os sem-abrigo e idosos que não tinham família em Frankfurt (onde morava na altura). No meio de centenas de pessoas que lá estavam a jantar, encontrei um velhote português que vivia lá sozinho. Emigrante na Alemanha há muitos anos, viúvo, longe dos filhos, acabara por ficar só naquela noite e juntou-se à celebração. A alegria dele quando nos ouviu falar português... e as histórias que nos contou, tão bonitas, tão nossas, encheram-me o coração.
Este ano consegui vir passá-lo cá a Portugal. Mas vou ser muito sincero, esta quadra aqui deixa-me sempre um sabor agridoce. Aqui, na ânsia de fazer tanto e fazer mais que toda a gente e mostrar que se tem uma mesa cheia de extravagâncias, fazem um stress e barulho tão grande com mil pratos e mil doces que só não me tiram a alegria toda porque sou um guloso e essa capacidade de me isolar no meu mundinho daquelas memórias anteriores ainda está bem viva.
Este foi também finalmente o ano em que não comprei presentes. Zero. Nos anteriores ainda ia comprando para os putos, pais, mana. E adoro oferecer. Mas irei fazê-lo noutra data. Foi uma sensação de liberdade.
Por outro lado, desta vez consegui estar o mês de Dezembro todo em Portugal (já tenho saudades da minha casinha em Berlin, confeso) e consegui acompanhar o meu pai numa operação, nas visitas ao hospital, na sua doença, idas ao médico, fazer-lhe a comida, levá-lo à fisioterapia, passar horas a falar com ele, pôr-lhe os cremes na cicatriz a ver se se vai embora mais depressa, deitá-lo confortável e quentinho na cama. Enfim, simplesmente cá estar.
E acho que o maior presente este ano foi mesmo esse: estar presente.