Roubaram-me a bicicleta
"Roubaram-me a bicicleta", foi a primeira coisa que disse ao P. quando lhe liguei, assim que vi que ela não estava onde devia estar.
Em menos de 25 minutos já estávamos na polícia a apresentar queixa. Ironia das ironias, a esquadra da polícia fica exactamente na minha rua. Fui a pé.
E foi nesse momento que me tornei um verdadeiro berlinense. Sim, diz-se que não és um berliner a sério enquanto não te roubarem pelo menos uma bicicleta.
Podia ter sido um domingo qualquer, mas a neve cobria toda a cidade. Estávamos no início de Fevereiro e um forte nevão nos últimos dias tinha obrigado ainda a outro tipo de confinamento dentro do próprio confinamento (isto é: na realidade covidiana).
Tinha deixado a bicicleta estacionada na hinterhaus que é, literalmente traduzindo, a "casa de trás", ou o pátio, como eu prefiro chamar-lhe. É algo muito comum aqui em Berlim e, só para terem noção, é um espaço que fica fechado entre os 3 edificíos que completam o conjunto de prédios e apartamentos onde moro. O acesso é feito por duas portas. Aí dentro temos aquelas barras de metal para estacionar as bicicletas e pronto, foi aí que a deixei, presa com um cadeado.
"Por que não a levaste para casa?"
"Por que a deixaste na rua?"
Foram as perguntas que mais tive que ouvir conforme fui contando às pessoas o que se tinha passado. E isso é uma coisa tão humana, mas tão errada, cair no erro de apontar o dedo à vítima (neste caso roubaram-me a mim algo que, muito caro ou não, era fruto do meu trabalho).
Mas até eu o faço, inconscientemente. Quando a minha amiga caiu mesmo ao meu lado, a minha primeira pergunta foi "por que é que não calçaste uns sapatos mais confortáveis?". Pois...
Talvez devêssemos reflectir um pouco mais sobre esta tentação de esquecer os agressores, neste caso os ladrões de bicicletas, e dar mais espaço a quem foi roubado, tentando pelo menos não lhe acentuar a frustração.
E que frustração! Aqui vos confesso. Os dias seguintes não foram fáceis, mergulhado num sentimento tal de injustiça. E por acaso já nem é primeira vez que me roubam algo valioso. A primeira foi há uns bons anos e já na altura me foi difícil engolir a amarga certeza de que alguém, algures, estava a usufruir daquilo que era meu. Bem, voltei a recordar essa revolta agora.
Mas lá passou. Sendo eu, mesmo antes disto, já um experiente berliner, obviamente que me precavi e fiz um seguro contra o roubo de bicicletas... no próprio dia em que a minha menina me chegou a casa.
Tívemos uma curta mas bonita relação. Levei-a a visitar a East Side Gallery e mesmo naquele frio de Janeiro, assim que a tive, nunca mais pus os pés num transporte público (não tenho carro aqui nem quero, caso ainda não fosse óbvio).
Na verdade não a cheguei a ter mais de um mês, e só isso deve dar-vos uma noção mais ampla do número de roubo de bicicletas que acontece por dia nesta cidade. São mais de 30 mil por ano. Ao meu amigo já se contam 5 que foram roubadas. Imaginem quão difícil tem sido para ele fazer um seguro para a mais nova... assim com este historial!
Entretanto, esperei um pouco mas reavi o meu dinheiro, comprei outra bike e por cá continuo à espera do dia em que voltarei a entrar naquela esquadra com um cadeado partido na mão e aquela cara de vocês sabem muito bem por que aqui estou outra vez.
Tschüss!