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Há algo de devastador em fazer uma viagem de milhares de quilómetros para chegar à adeia, a casa, e ouvir apenas o silêncio.
Foi avassalador entrar hoje na casa do tio João e não o encontrar lá. Sentei-me no banquinho de madeira onde sempre me sentava quando a gente se punha a falar. E assim fui vendo e revendo todas as suas criações expostas naquelas paredes, as figuras de madeira, os versos, os textos, as fotografias.
Na última vez que estive em Portugal fui fazer a visita habitual ao tio João. Lá estava a estante de livros que sempre me dá aquele conforto. O conforto que trazem as memórias das tardes da infância e adolescência, passadas ali, a escolher livros que levava para ler. Foi assim que me apaixonei pela leitura. Foi assim que lá descobri o meu refúgio. Foi assim que comecei a escrever a sério. Nenhum livro meu existiria se não tivesse existido primeiro o meu tio João.
Desta última vez, ao despedir-se de mim, disse-me ele: "Tenho muito orgulho no homem que te tornaste". E eu só respondi: "Tive um bom professor". Dei-lhe um beijo e um abraço. Depois subi a rua, até à casa dos meus pais, de lágrimas nos olhos. Sabia bem o que significavam aquelas palavras do tio. Sabia bem que o tempo tinha passado, que já não era o Filipe pequenino e inocente a escolher livros daquela estante. Sabia que a vida havia seguido o seu rumo natural e que eu algum dia haveria de não chegar a tempo de o abraçar mais uma vez.
Hoje o tio João já não está lá, mas tudo o que ele foi, a sua pessoa, está ali à vista de quem quiser ver. Um autêntico museu que não conta só a sua história, mas a de todos os que lhe foram contemporâneos.
E essa história não ficará por contar.
Aqui fica a minha promessa.
imagem: Pixabay, FelixMittermeier