O Japão é um sonho
Aterro em Tóquio de manhã cedo.
Ainda nem saí do aeroporto de Narita e já a cordialidade dos japoneses entra em contraste com a Alemanha fria e cinzenta que deixei para trás.
No controlo de passaporte sou recebido e encaminhado com uma doçura que talvez não esperasse num passo tão técnico da viagem e, logo aí, sinto o meu sorriso abrir-se numa leveza de aqui estar.
Mais de uma hora depois, atestando a enormidade desta cidade, chego ao meu hotel na zona de Hatagaya (curiosamente conhecida pelos seus restaurantes chineses), deixo as malas e saio para a rua movimentada. Vou comer japonês, apesar de os restaurantes da vizinha China serem também atraentes (e os japoneses adoram). É a minha primeira vez aqui, por isso atiro-me à minha primeira sopa miso em território japonês e a um prato de arroz com ovos e cebolinho, cujo nome desconheço. Sei que é delicioso.
A 20 minutos de autocarro deste restaurante, espera-me Shibuya. Pelo frenesim das suas ruas, é o local perfeito para me manter activo e combater o jet lag das 13 horas de vôo (com mais 9 horas de diferença no horário).
Estou noutro mundo. Tudo brilha, pisca e cintila à minha volta. Parece o futuro, uma sociedade avançada. Os prédios gigantes e cheios de ecrãs imensos dão-me uma vibe cyberpunk. Cenário de filme. Mas em todas as interacções lá está o calor e educação dos japoneses, bem distante da frieza dessas sociedades fictícias.
Começo, timidamente, a soltar os meus arigato com a pronúncia ainda ao lado, mas vou ganhando confiança de cada vez que algum local sorri ao ouvir-me tentar a sua língua musicada. Algo que, em muitos anos de vida em Berlim, nunca senti nem do povo nem da língua alemã. Embora não queira, é impossível não cair nestas comparações logo nas primeiras horas.
O cansaço da longa viagem começa a fazer-se sentir e a refeição do jantar, um bem composto prato de ramen noutro restaurante que me transportou para os universos literários (realistas) de Murakami ou Yoshimoto, dá-me aquele conforto necessário para lentamente me deixar adormecer na cama pequena do hotel.
A meio da noite, ainda fruto do jet lag, acordo convencido de que já é manhã alta. Confuso, acho que estou na minha casa em Berlim, e sinto-me alguns momentos nessa névoa. Só quando me levanto para ir à casa de banho deste apertado quarto e vejo outra vez a sanita futurística e cheia de tecnologia e botões variados, é que me lembro de que estou em Tóquio.
Sorrio ao espelho, achando-me um pouco tonto pela falta de clareza. E então reparo. O meu olhar, embora cansado, parece-me mais vivo, menos cinzento, brilha como os ecrãs de Shibuya.
E então sei que é real.
O Japão é um sonho.
E eu não quero acordar.