O fim da humanidade

Na noite passada acordei a meio de um pesadelo. Nele via a Sofia Aparício e notícias terríveis sobre a sua prisão em Israel. Primeiro despertei assustado. Depois vi-me espantado. Nunca fui grande seguidor do trabalho da actriz. Que estranho tê-la ali nas minhas preocupações. Demorei a voltar a adormecer e isso deu-me tempo para perceber que não precisava de ser um fã, se dentro de mim há um humano que não conseguiu ficar indiferente aos acontecimentos dos últimos dias.
Mariana Mortágua, Sofia Aparício e Miguel Duarte foram detidos por militares israelitas e levados como terroristas para uma prisão, onde não receberam nem comida nem água nas primeiras 48h (mensagens arrepiantes escritas à mão após a visita consular provam-nos isto).
Fui ingénuo. Achei que era desta, perante tais atrocidades a quem só queria levar comida e mantimentos a um povo abandonado às mãos de um genocida, que o nosso povo acordaria e esqueceria cores políticas para gritar em uníssono: "INJUSTIÇA!".
Não aconteceu. Abrindo as caixas de comentários das notícias e das próprias redes sociais destes portugueses em cativeiro, os comentários são assustadores, nojentos e desumanos.
Desumanos! É que a maior parte deles são bots (e o melhor é não interagir com eles. Por favor, tentem não responder, porque isso só lhes dá o que eles querem. Eles, quem paga por estes bots de comentários de ódio automatizados). Mas também há pessoas reais por lá e isso é o mais desolador.
Não votei na Mariana nas últimas eleições (já o fiz antes), mas isso alguma vez faria de mim capaz de lhe desejar tanto mal? Alguma vez isso me permitiria assinar uma petição pedindo que a deixem por lá?
A Mariana tem família, amigos e uma irmã que deve estar a sofrer tanto com isto. Vocês já imaginaram se fosse um dos vossos ali preso sem água e comida e sujeito a sabe-se lá que torturas?
Não vos arrepia? Não vos traz lágrimas aos olhos? Não vos perturba o sono?
Onde está a compaixão?
Quando em 2018 visitei Auschwitz, sozinho e em silêncio, a pergunta que mais me assaltava era: "como é que o resto das pessoas assistiu e permitiu que uma atrocidade destas acontecesse?"
Nunca pensei a vir a ter a resposta tão cedo e tão clara.
O fim da empatia é o fim da humanidade.
foto: Yousef Al Zanoun/AP Photo
