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O blog do Fi

um português em Berlim

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Calar a voz

Filipe B., 05.11.21

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Esta semana recebi o grande sim de uma editora para a publicação do meu livro. 

Foi uma explosão de emoções e, ao partilhar a minha imensa alegria através dos stories no instagram, aproveitei também para confessar algo menos positivo. 

Escrevi assim: "Sabem o que é mais difícil nisto tudo? É silenciar aquela voz interior que me está sempre a dizer que isto foi só sorte, que nem tenho assim tanto talento e que o livro está uma merd*"

Admito. Tive um pouco de receio ao partilhar algo tão íntimo e que poderia não ser entendido por todos, mas acabei por ser surpreendido. Recebi mais de uma dezena de mensagens em resposta a essa confissão. E as  mensagens vieram de pessoas em posições tão variadas, desde pessoal profissional de saúde, a estudantes e pessoal da comunicação social.

Todas as mensagens partilhavam comigo algo em comum a essa voz. A tal voz que chateia, que questiona o teu valor, que te faz duvidar das tuas competências.

Isto não é de agora. Aconteceu-me muitas vezes ao longo da vida.

Mesmo quando terminei os dois cursos de comissário de bordo, para os quais tive que estudar muito, mas mesmo muito, lá veio essa voz malvada sussurrar-me ao ouvido "só passaste estes 3 exames por sorte...".

Como se isso fosse possível, como se eu não soubesse que tinha estudado dia e noite para alcançar o sucesso, como se os meus olhos cansados não me dissessem todos os dias ao espelho que estava mesmo a esforçar-me para o conseguir.

Mas lá está, mesmo sabendo tudo isso, lá vinham aquelas dúvidas.

Outro exemplo. Aprender alemão, mesmo depois de ter estudado inglês, francês e dominado o italiano, sempre foi muito mais difícil do que qualquer outra dessas línguas. Tive que estudar muito mais, mas mesmo muito mais, e até investir mais dinheiro em escolas e aulas privadas. Foi um esforço não só de estudo mas monetário (e de que maneira). E fui também eu quem trabalhou para ter esse dinheiro na conta. Mas mesmo assim, hoje em dia, já falando o alemão decentemente, parece que sempre que o faço lá vem aquela vozinha dizer "Afinal até é uma língua fácil de aprender ou tiveste foi sorte com os professores". Não, não é um língua fácil de aprender. Não, não foi sorte nenhuma. E eu sei isso. 

Mas porquê? Por que vem ela sempre tentar minar o nosso sucesso?

Sem grandes repostas para isto, há uma coisa que me parece contribuir bastante para isto, que é a sociedade capitalista em que vivemos (e na qual eu fui criado). Parece que aquele querer sempre mais, querer ser sempre melhor (que até pode ser positivo, ok? Mas talvez sem extremos), e aquele "ainda não és bom o suficiente para este salário ou para aquelas regalias" afinal têm efeitos nefastos dos quais nós nem temos plena noção.

Fica para reflexão.

E acabo este texto com a mensagem curta mas muito apropriada que me enviou, em resposta a esse desabafo, o meu antigo team leader de uma empresa multinacional gigante para a qual trabalhei durante quase 4 anos (deixei esse trabalho há 6). Um líder por exemplo, que sempre admirei e com quem bastante aprendi. Disse-me ele então assim: 

"A sorte dá muito trabalho. Cala de vez essa voz".

 

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