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O blog do Fi

um português em Berlim

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Livro grátis!

Filipe B., 28.01.22

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Surpresa!

O meu livro  "Deixa-me ser" está grátis no Kindle Amazon (podem ler no vosso Kindle ou smartphone). Aproveitem!

Download aqui.

Sinopse:

"Aos 20 anos cheguei a casa e rebentei com as portas do armário, assumindo-me como homossexual à minha família. O meu pai não aceitou o que eu era. Dois meses depois decidi que queria morrer. Mas nem a morte me quis ao seu lado. Sobrevivi. Para reescrever a minha história. E não parece, mas esta terminou bem. "Deixa-me ser" é o livro biográfico que relata uma parte fulcral da minha vida, aquela me definiu para sempre. Do preconceito ao suicídio, da violência ao afecto, do ódio à aceitação. Este é o conto de como a homofobia pode matar e de como numa longa noite escura o amor derrotou todos os medos."

Espero que seja uma boa leitura. Conto com as vossas opiniões no fim. 

Obrigado por todo o apoio!

AUSCHWITZ, portal do inferno

Filipe B., 27.01.22
 
 
 
No dia em que se assinala a libertação do campo de concentração Auschwitz-Birkenau pelo exército russo a 27 de Janeiro de 1945, recordo a minha visita a este lugar de tremenda importância histórica. Para que não se esqueça.
 
O texto que se segue é pesado, muito pesado
 

"Abandonai toda a esperança ó vós que entrais"

 
Estas palavras estão escritas no portal do Inferno na famosa obra de Dante, mas bem podiam estar escritas à entrada de Auschwitz
 
 
Antes de fazer a minha visita ao campo de extermínio nazi fiz um género de preparação. Nas últimas 2 semanas revi os filmes "A lista de Schindler" e "O Pianista". E pela primeira vez li o livro "Se isto é um homem", de Primo Levi, judeu italiano que sobreviveu a Auschwitz e que conta na obra como foi a sua vida (ou lenta morte?) enquanto prisioneiro no campo de concentração. 
 
Preparei-me, levei uma bagagem cultural já pesada, mas mal eu sabia que não havia preparação possível...
 
Pelas 8h cheguei a Auschwitz. Fui sozinho. Sem um guia, porque queria mesmo não ter nenhuma distração comigo. Apenas comprei na recepção à chegada um livro guia (excelente, por sinal!) e que fui lendo ao longo dos passos lentos que ia dando. 
 
Dentro do campo silenciei o telemóvel e só o usei para registar algumas fotos. Assim caminhei sozinho, em silêncio, durante horas. Como companhia tinha apenas uma caneta e o meu bloco de notas, onde fui escrevendo, conforme consegui, alguns dos meus pensamentos que agora aqui transcrevo.
 
 
 
 
"8:52h:
Já ando pelo campo há quase uma hora. Vou vendo tudo com calma e atenção, leio todas as descrições. Acabei de sair da sala 5 do bloco 4: o bloco do extermínio. Nesta sala podemos ver 'uma das mais chocantes provas do crime' (como está escrito no livro guia que comprei à entrada). Aqui estão expostas cerca de 2 toneladas de cabelos de mulheres judias que foram assassinadas nas câmaras de gás. O cabelo era aproveitado para vários fins, como material de produção de tecidos. Não consegui entrar à primeira tentativa... voltei para trás. Respirei fundo. Quase desisti. Tive que preparar-me para o horror que ia ver. E agora saí de lá e tive que parar uns momentos depois de ter percorrido aquela sala. Sinto-me tremer... mas vou continuar a visita..."
 
9:37h
Saí agora do bloco 6, que cobre detalhes da vida dos prisioneiros e das crianças que para aqui foram trazidas ou que aqui nasceram (as mulheres grávidas não escapavam à selecção para os campos de concentração). Mesmo depois de tudo o que li e estudei, de todos os filmes e documentários que vi, mesmo depois de aqui estar ainda me parece inacreditável e inconcebível que actos tão cruéis e bárbaros tenham sido feitos pelo homem ao homem. Estou na rua num espaço vazio entre os dois blocos. Impera o silêncio.  
 
11:21h
Tenho que me controlar várias vezes para não deixar que este sentimento pesado, e de uma estranha impotência, me leve às lágrimas. Já percorri muitos dos blocos onde seres humanos foram torturados e fuzilados sem piedade. Vi os seus objectos pessoais, como roupa, sapatos, óculos e infinitos objectos que lhes foram roubados à chegada. A questão que me acompanha em cada passo é sempre este 'Porquê?'. Por que é que isto aconteceu? Como é que se permitiu que um maníaco ditador levasse avante tanta brutalidade contra pessoas inocentes, contra crianças... sobretudo contra as crianças que choram em desespero na foto de 1942, no gueto judeu Varsóvia, que tenho agora à minha frente. Como? E porquê?
 
 
 



12:04h

Náusea. Uma náusea tão forte que me aperta o estômago e me dá um impulso para vomitar. Foi assim que saí agora da câmara de gás e do crematório, simbolicamente os últimos dois passos da primeira parte desta visita antes de seguir para o campo de Birkenau (ou Auschwitz II). Na câmara de gás há um cheiro que se entranha, um odor nefasto, talvez o próprio cheiro da morte, não sei. Foram mortas ali milhares de pessoas e sente-se de imediato uma extrema energia negativa. Os lugares têm memória. E não perdoam.
 

 

 

13:16h
 
Birkenau - Aschwitz II
 
Este lugar deita-te por terra e tira-te todas as forças. Entra-se pelo portão principal por onde entravam os comboios e vagões carregados de prisioneiros (maioria judeus, mas também homossexuais, ciganos, prisioneiros de guerra, etc) e é seguindo essa mesma linha férrea que atravessamos o campo, por quase 1km a pé, percorrendo o mesmo trajecto que seguiam à chegada, passando pelas ruínas das câmaras de gás, à direita e à esquerda, até chegar ao memorial com 23 placas nas 23 línguas principais dos deportados que foram aqui presos e cruelmente assassinados. Li as placas que consegui, primeiro em espanhol, apelam a um grito à humanidade para que nunca esqueça, depois em italiano, aperta-me o coração quando leio a palavra bambini, depois leio em inglês... e não aguentei mais. É uma dor, uma revolta, um sentimento quase novo que não sei explicar, mas que só senti aqui. E a minha única opção é sentar-me num canto isolado e deixar sair toda a tristeza que se apodera de nós aqui. Pela primeira vez quebra-se o silêncio desde o início da minha visita. Choro e não sei por que que choro. Olho para o vasto campo e é desolador mas reparo que junto às câmaras da morte nascem agora algumas flores. Como é possível que num lugar tão horripilante a natureza consiga ainda florescer? Será esta uma espécie de metáfora para as capacidades humanas de superação?
 
 
 
 
15:27h
Terminei a minha visita e saí pelo portão principal, deixando para trás o arame farpado da prisão... mas nem assim me sinto mais livre. 
Auschwitz é uma experiência aterradora, muito pesada. Caminhei durante 7 horas, com poucos descansos, caminhei, horas, caminhei, mas não é o corpo que me dói. 
É cá dentro, esta impressão que carrego. É o desconforto que me aperta. 
Não tenho dúvidas de que se é uma pessoa diferente depois de passar por aqui. Toda a gente devia cá vir. Devia ser obrigatório. Apetece-me gritar a todos que têm que fazer este esforço de ver e presenciar este horror, mas nem eu próprio sei se seria capaz de aqui voltar."
 
 
"Viajámos até aqui nos vagões selados; vimos partir em direcção ao nada as nossas mulheres e as nossas crianças; reduzidos a escravos, marchamos mil vezes para trás e para diante, numa fadiga muda, já apagados nas almas antes da morte anónima. Não temos regresso. Ninguém deve sair daqui, pois poderia levar para o mundo, juntamente com a marca gravada na carne, a terrível notícia do que, em Auschwitz, o homem teve coragem de fazer ao homem." - Primo Levi, judeu, italiano, químico, escritor e sobrevivente de Auschwitz, libertado em 1945, suicidou-se 42 anos depois em Turim, na Itália. 

Mil vezes passar o Inverno em Berlim

Filipe B., 22.01.22

Fotos recentes da minha rua

Fotos recentes da minha rua em Berlim

 

Pois é, nunca pensei dizer isto. Quando me mudei para a Alemanha, toda a gente me dizia "Ai... e o frio?".

Também eu temi, claro. Habituado que estava a um clima mediterrânico, assustou-me um pouco esta ideia de passar invernos com neve e gelo.

Mas hoje digo: mil vezes passar o Inverno em Berlim do que em Portugal.

É simples. 

Frio na rua, quente dentro de casa.

E, sim, é essa a única razão. Não tenho saudades nenhumas de ter de usar 3 camadas de roupa à hora do jantar lá na minha casinha portuguesa. Sim, sim, a gente tem lá uma lareira, pois temos. Mas e as outras divisões? O gelo siberiano que se sente no corredor, longe da lareira, a caminho do quarto... tremo só de lembrar.

E o amontoado de roupa de cama que usava só para não ter frio de noite? Até pesava nos ossos. 

É verdade que aqui temos a vantagem do aquecimento central, presente em todas as casas, mas não é só isso. É a construção, penso eu, e os especialistas dirão melhor. É a construção, e o isolamento, que mantêm o calor dentro dos edifícios. Em Portugal, a lareira aquece, mas assim que se apaga, o frio vem logo. 

Enquanto escrevo isto, por acaso, tenho aqui a janela da sala entreaberta (gosto de ar fresquinho de vez em quando), visto uma t-shirt e um casaco desportivo fininho e não tenho frio nenhum cá dentro. Note-se que ainda ontem tínhamos a rua coberta de neve... e as noites chegam aos graus negativos!

O bem-estar que este conforto dentro de casa nos dá, no Inverno rigoroso, não tem comparação.

É por isso que vou muito pouco a Portugal nesta altura do ano. Desabituei-me desse desconforto. Não é à toa que todos os estudos apontam o nosso cantinho lusitano como um dos países onde as pessoas passam mais frio dentro de casa nesta altura do ano, ora vejam aqui

Sendo assim, prefiro ir na Primavera, ou nos finais do Verão, quando as multidões já deixaram as praias em sossego. 

E já conto os dias para lá chegar.

Por agora cá fico no inesperado calor de Berlim. 

Pestanas longas

Filipe B., 19.01.22

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Durante muito tempo achava que eram visíveis demais.

Hoje amo as minhas pestanas longas e a inveja (saudável) que causam em quem muitas vezes tem que pagar para as ter assim.

Vamos celebrar o que gostamos mais em nós.

E se tivermos que mudar algo, que se mude.

Os corpos são nossos.

A liberdade também.

No trabalho e a ler Saramago

Filipe B., 17.01.22

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Pois é, estou no trabalho e a ler Saramago.

Explico.

Para nós, comissários de bordo, há dias em que não temos voos programados, mas somos chamados para estar no aeroporto (temos uma sala/office próprios para isso), prontos para voar, caso seja necessário operar algum voo (para substituir um colega, por exemplo).

São dias um bocado chatos, para mim, mas pelo menos aproveito sempre para ler enquanto espero pelo que há-de vir.

Não me posso queixar.

E vocês, que andam a ler?

Terra Americana, o livro e o fim dos sonhos

Filipe B., 10.01.22

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Acabei de o ler hoje. 

Este livro conta a fuga, de uma mãe e de um filho, para o Norte... os EUA, após o assassinato da sua família às mãos de um cartel no México.

Este livro é uma viagem violenta, amarga, cruel.

Várias vezes me obrigou a parar a leitura para descansar a minha revolta.

Este livro nem sempre é fácil de ler. E, ainda assim, a escrita é por vezes um pouco fria e distante, embora talvez não pudesse ser de outra forma.

Este livro é uma obra que se apodera de nós e nos esmaga, tal é o retrato horrível do mundo que nos dá, e mesmo assim há algo nas suas páginas que nunca nos deixa perder a esperança.

Os presentes que não damos

Filipe B., 05.01.22

 

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O Natal passado foi o primeiro em que não comprei prendas para ninguém. Ninguém.

Eu e o P., cá por casa, assim decidimos.

E foi tão bom, tão libertador.

E olhem que esta é a fase mais estável (financeiramente) da minha vida. Se isso não é uma bela ironia.

Olhando para trás, quando eu menos podia, era quando comprava mais presentes para oferecer.

E eu adoro oferecer prendas. Adoro levar maquilhagem e produtos de beleza para a minha irmã, amo comprar livros, legos e jogos para os meus meninos, e os pequenos mimos para os meus pais, os chocolates para a avó que é uma gulosa, mas fazê-lo em qualquer altura, sem qualquer obrigação. Dá-me mesmo prazer isso tudo. E até gosto mais disso do que propriamente receber algo.

Ontem, visto que o meu aniversário se aproxima, enquanto tomávamos o pequeno-almoço, o P. perguntou-me o que eu queria como presente. E a minha reposta, ainda meio ensonada, foi tão simples quanto isto: “Quero um livro”.

Ele fez aquela cara meio incrédula. E eu repeti: “Sim, quero um livro, não interessa qual, ou o autor, desde que esteja dentro dos meus gostos” (depois mandei-o dar uma vista de olhos pela estante cheia que temos na sala).

Ele faz outra cara, desta vez, um pouco desiludido e diz-me “E o que vão as pessoas pensar quando souberem que só te dei um livro?”

Isto deixou-me triste e pensativo. Um livro é algo tão especial para mim. É uma alegria sempre que recebo um, e fico logo empolgado para o ler e descobrir o que me trazem as suas páginas. Nem sempre gostarei da leitura, como é natural, mas até isso faz parte desta surpresa inicial.

Lá lhe expliquei, mais uma vez, que pouco me importa o que pensarão os outros, só porque não me apetece receber o último ipad ou o novo smartphone de 1000€ da Samsung.

Nada contra. Até posso fazer um pedido desses um dia, e gosto que isso fique em aberto, porque eu também quero poder oferecer-lhe coisas caras se assim for a necessidade e o meu desejo. Comprar por comprar, só porque sim ou por pressão social, isso é que não.

Já o fiz em tempos. Hoje não.

Como já disse antes, é a tal ironia. A minha liberdade financeira trouxe-me isso.

A opção de não gastar.

O que vier, virá

Filipe B., 02.01.22

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Se me querem ver feliz, é só dar-me um livro para as mãos.

Assim comecei este novo ano.

A ler.

Sereno.

E mergulhado na fantasia de um livro, porque por estes dias não há melhor forma de escape a esta realidade que quase oprime.

Está nas nossas mãos não deixar que isso aconteça.

E o que vier, virá.

Bom ano para todos!