Dois aquarianos juntos.
Se aqui este aquariano cabeça nas nuvens, tão criativo, com a mania da frieza e tão apaixonado pela sua liberdade já é difícil de levar, imaginem dois. Ah não é fácil, não. E é uma aprendizagem constante.
Aliás, é praticamente um fazer, apagar, e voltar a fazer, até estar quase, quase como nós queremos. Afinal a Lua deu-nos a criatividade para alguma coisa.
Honestamente, nunca achei que isto fosse possível. Quando nos conheci, porque isto de conhecer o outro também implica conhecer muito de nós próprios (acho eu), juro que achei que as nossas diferenças sobressaíam muito mais que as nossas semelhanças. E talvez tenha sido isso, pois mesmo assim deixei-me ficar (ou deixei-me ir) e com o tempo fui percebendo que havia algo muito, muito intenso que nascia entre nós.
Depois, claro, a minha liberdade começou a gritar, a querer fazer-se ouvir. Afinal, para quem esteve entregue a si próprio por tanto tempo, não é propriamente fácil abri a cave para a luz entrar. Nem esta partilha sincera dos espaços, dos hábitos e sobretudo dos sentimentos, medos, alegrias e pensamentos se faz assim tão repentinamente quanto pensamos.
Mas gostava que nos ouvissem falar um com o outro. Gostava também que fosse possível levar-vos ao exacto momento em que o nosso muro caiu e nos veio ao de cima tudo o que sentimos. O bom de ser aquariano é que assim estes acontecimentos raros são uma explosão.
E que grande muro que nós tínhamos, cada um, a circundar as suas inseguranças. Não terá sido por acaso que nos conhecemos em Berlim, e não deixarei nunca de sorrir com esta ironia e de abusar desta metáfora, pois ela serve-me perfeitamente para explicar quão difícil foi derrubar esse obstáculo e ver, por fim, que éramos já muito mais do queríamos admitir. Foi mesmo um encontrar, uma junção, dos lados Oeste e Leste. Duas forças que não queriam assumir, fosse por medo ou orgulho, que aquele muro já era só uma ilusão e que já pouco, na realidade, separava cada lado.
E digo-o outra vez. Gostava mesmo que nos ouvissem falar um com o outro, que vissem e sentissem aquela maneira tão nossa de partilharmos os nossos afectos ou de ficarmos perdidos a falar dos nossos livros, filmes e jogos, como se nada mais existisse lá fora.
No outro dia, tão exausto, ele adormeceu na minha cama enquanto via um filme e eu fiquei acordado até mais tarde a jogar. Quando fui tirar-lhe o portátil e ajeitá-lo para dormir, ele falou, sem qualquer filtro, vencido pelo sono, e eu gostava que fosse possível descrever aqui o que senti cá dentro. O meu coração tremeu, se isso é sequer possível. Já me tinha esquecido do que era sentir isso. Ai se fosse fácil mostrá-lo por palavras escritas... se fosse possível ter registado o meu olhar terno sobre ele.
Talvez aí eu conseguisse explicar melhor como 2020 me tirou tanto de um lado para me dar muito mais do outro.