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O blog do Fi

um português em Berlim

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BI – bilhete de identidade

Filipe B., 31.07.15


[ nota: isto não é um exercício jornalístico, nem o quer ser ]

Procurei, procurei. E não foi nada fácil encontrar alguém que estivesse disposto a falar comigo sobre sexualidade, muito menos sobre a bissexualidade. Teria que entrevistar alguém que não fosse meu conhecido, que nem fizesse parte do meu círculo. E num meio onde parecem imperar as palavras discrição e sigilo, foi mesmo complicado chegar a alguém que, sem grandes complexos, aceitasse falar desta orientação sexual. Mas lá consegui agendar uma conversa sobre isso, não sem algumas regras, como irão perceber. E foi assim: 

O local escolhido para nos encontrarmos é um dos cafés menos movimentados da cidade. Aentrevista não será gravada, não serão registadas imagens, ficando-me pelopapel e caneta como suporte. Por isso sento-me, cheguei mais cedo, e peçoapenas um café e uma água, para que me distraiam enquanto aguardo. Na verdade receio que não apareça, que ao último momento tenha desistido de dar esta entrevista. Mas... chega. Tem21 anos e um ar muito jovem, de facto, de quem poderia ter menos que isso. Masafinal tem “quase 22”, assegura-me, enquanto, numa espécie de quebra-gelo,começamos a falar de cinema. É o que estuda, na universidade. E tão naturalcomo começou, a conversa flui para a sua primeira declaração: “Quando disse aomeu pai ‘Sou bissexual’ ele só disse ‘Está bem’. E não sei se isso foi bom oumau, não sei se ele aceitou, porque ele quase nunca fala sobre isso”.
Perante isso, questiono: “Posso então começar a escrever?”.
Diz-me que sim, que posso escrever à vontade e continua como relato enquanto a minha caneta desliza pelo papel: “Tive uma relaçãoheterossexual. Quando a relação acabou, percebi a minha bissexualidade. Comeceia perceber que tinha algum género de atracção por rapazes, desde a adolescência.E costumo dizer que amo pessoas, independentemente do sexo”.

Perceber isso não terá sido, contudo, muito fácil, pois relembra um episódiograve dos tempos do secundário: “Quando andava na escola gozavam comigo,chamavam-me gay, mesmo antes de eu ter a minha sexualidade definida. Nuncatinha tido uma experiência com rapazes. Mas as pessoas olhavam para mim e viam algo de diferente na forma de eu sere de agir. Não tinha hábitos ‘normais’ de rapazes, como jogar futebol ou sairpara beber cervejas. E era mais sentimental, o que normalmente é mais associadoao sexo feminino. Por isso gozavam e até criaram um site para falarem da minhasexualidade. Não sei se ainda existe, nunca mais o procurei”.

“E talvez seja melhor não procurar”, penso para mim, sem overbalizar, enquanto lhe atiro a primeira questão que tinha preparada: “De umponto de vista muito pessoal, esquecendo todas as definições que existem, o queé para ti ser-se bissexual?”. A resposta é directa. “Ser bissexual é gostar depessoas. Como diz uma amiga minha: ‘Gosto de pessoas’. Claro que a atracçãofísica é muito importante. Mas há pessoas com quem te envolvespsicologicamente, em que por vezes pode até não passar de um ‘flirt’.”
Mas acrescenta, como que afastando-se daquilo a que chama“moda”, sublinhando que não se revê nisto: “Acho que muitas pessoas mais novasdizem que são bis porque acham que é cool, que assim se encaixam nos padrões dasociedade, mesmo sem saberem se são realmente assim. Muitos jovens dizem issoporque celebridades, como o Bill Kaulitz dos Tokio Hotel, também o disseram, eacabam por seguir isso como uma moda, e não como algo que sentem mesmo ser asua orientação sexual.”
Isso leva-me directamente à questão que tinha em espera:“Pensas que existe mais aceitação sobre a bi do que sobre a homossexualidade?”
“Acho que sim, porque as pessoas acham que é uma fase. Nãohá uma redução tão grande, como quando és gay. Aí as pessoas acham que é maisredutor, se és gay, és só aquilo, porque só gostas de homens. Na bissexualidadeacham que há um escape e que, por gostares de mulheres, vais sempre ter umavida mais normal, porque podes fugir para isso.”
Então será o estigma social maior na questão homossexual?
“Acho que é mais complicado assumires que és gay/lésbica doque bi. Mas há mais informação sobre a homossexualidade, nos média em geral” –responde prontamente.
Levanta-se uma questão que mutias pessoas querem sempre verrespondida:
“Como é que um bissexual consegue gerir ao mesmo tempo aatracção física pelos dois sexos?”, pergunto, assumindo que é a questão que melevanta mais curiosidade.
“Isso é tão complicado. Há coisas que atraem nos dois sexos.Por exemplo, sinto-me atraído pelos seios de uma mulher e um homem não temisso”
E há mais promiscuidade ou não? As pessoas bi são maistentadas a trair? Entende que não. E justifica. “A questão da traição dependemuito da pessoa e da sua satisfação na relação, não depende da orientaçãosexual.” Mas concorda que muitas pessoas não conseguem ver essa realidade damesma forma: “Muitas vezes as pessoas deixam de falar comigo porque sou bi. Porexemplo, alguns rapazes gay acham que sou indeciso por isso e deixam de mefalar. Mas não tem nada a ver com ser indeciso. Isso não me condiciona, masessas pessoas são retrógadas.”
Talvez isso justifique que muitas vezes se ouça dizer quedeterminada pessoa “diz que é bissexual para esconder a sua homossexualidade”.Discorda.  “De certeza que existempessoas a pensar assim, mas não concordo com isso. Podes ter uma relação 50anos com uma mulher e depois teres com um homem.”
E é, afinal, uma doença como afirma o preconceito... ou não?
“Não é uma doença, mas para algumas pessoas é, porque pensamque as pessoas LGBT não amam, que só querem sexo.”


Relembramos agora o tempo em que decidiu contar às pessoaspróximas de si aquilo que sentia: “Revelei primeiro à minha madastra, e decidicontar porque tive medo que alguém contasse primeiro do que eu. Na universidadealgumas pessoas já sabiam e não queria que em casa soubessem sem ser por mim.‘Se calhar é só uma fase’, foi a reacção dela. Disse-lhe que sabia que não erauma fase porque há muitos anos que já sentia pré-disposição para isso, apesarde não ter ainda experienciado. E expliquei que a parte cultural, uma conversa,um interesse, podiam justificar a minha atracção por rapazes.”
Tento aligeirar o tom da conversa e pergunto-lhe: “Setiveres uma namorada vais contar-lhe que és bi?”
“Para ter uma relação já tinha que haver muito à vontade,empatia. Não teria uma relação sem contar isso primeiro. Não acho que fossefácil para ela aceitar, porque destruiria algumas esperanças.”
A conversa segue o seu rumo natural e, quase sem darmosconta, o termo “relação aberta” está em cima da mesa.
Não tem grande convicção sobre o tema mas arrisca: “Acho queé possível amar duas pessoas ao mesmo tempo. Não sei até que ponto concordariacom uma relação aberta, mas acho que faz sentido. Um dos aspectos negativos, anível sentimental, é que haverá uma ruptura bastante grande. Acabarás semprepor magoar alguém, porque precisas de escapes psicológicos. Numa relação abertavais sempre procurar outros tipos de amor e carinho, mesmo que não haja umcontacto sexual. Pode haver só envolvimente intelectual.”

E o que pode ser feito para que haja mais aceitação nasociedade em geral?
“Haver mais abertura nas escolas, porque as crianças são ofuturo e podem ser educadas para isso. Acho que é preciso desconstruir oestereótipo do homossexual feminino e não generalizar essa ideia, como se temvisto em algumas telenovelas brasileiras, por exemplo. Se (as novelas) são um meio decultura em massa, podem também funcionar dessa forma.”
Antes de terminarmos confessa que sempre teve um parente homossexual na família e que por isso o assunto, apesar de visível, tornava-setabú. “Os meus pais pediam para não falar na homossexualidade em casa e paranão dizer ofensas sobre isso, mas só porque aquela pessoa estaria presente e nãogostaria de ouvir.” Em parte isso até pode justificar outra declaração sua:“Recebi mais ofensas antes de me assumir do que depois, porque parecia que aspessoas faziam de propósito para me picar e me levar a assumir aquilo que euera.”
Lembra ainda alguns “excessos”, que, na verdade,  só podem ser assim chamados pelo preconceito que ainda existe a nível social. Diz-me então sem medo: “Muitas vezes fui sair à noite e andava de mãos dadas na rua,com um rapaz, e as pessoas olhavam de lado. E vão sempre olhar.”
E é por isso que defende, levantando a maior contrariedade de que falamos até então: “Aceitaria sair com alguém maisvisível, um homossexual mais excêntrico, sim, apesar de ser discreto e depreferir não chamar à atenção, mas isso tem a ver mesmo com a minhapersonalidade.”
Quanto ao futuro, como estudante de cinema, está decidido a combater pela visibilidadedos temas LGBTI: “O meu trabalho final de curso será uma curta-metragem sobre atransexualidade, porque é um tema que me interessa bastante”.
Sorri ao dizê-lo, mesmo antes de eu fechar o caderno denotas; enquanto a palavra FIM surge vagamente entre nós, por entre os cafésbebidos, espalhados pela mesa.

E depressa voltamos a falar de filmes, se é que em algummomento deixamos de o fazer.


"O que acontece se eu falhar o teu teste?"

Filipe B., 27.07.15
Ex Machina (2015) - opinião.





Só o diálogo brilhante sobre a identidade de género da Inteligência Artificial foi suficiente para me conquistar. 

Mas este é o filme do ano. E um dos meus preferidos de sempre. Inteligente, levanta questões filosóficas sobre o ser humano, provoca a mentalidade e tem um final que, apesar de ser um pouco previsto, é completamente destruidor. 

Por todas estes aspectos, e também pelos técnicos, este filme é merecedor de um Oscar (ou vários!). Espero que receba nomeações para: Oscar de Melhor Argumento Adaptado e Melhor Filme. Mas como é sci-fi já sei que vai ser ignorado pelos snobes.


Então deixa-me ir.

Filipe B., 26.07.15

                Poucas pessoas terão a coragem de sentar-se contigo e dizer:“Preciso de falar com um psicólogo”. Não, falar contigo já não é suficiente.Falar com os amigos não me chega. Explicar tudo à família também não teráresultado. Tem que ser discutido com um profissional, alguém que me observe dolado de fora.
                Poucaspessoas terão o atrevimento de terminar uma vida no entretanto dessa conversa.Não terminaste uma relação, não, se aquilo que tínhamos era já um viver tãosóbrio, uma agenda tão repleta de sonhos que se partilharam.
                Como éque eu ia explicar a mim próprio que de repente já nada disso faria parte demim? Como assim poderia explicar aos meus amigos que afinal a situação tinha pioradopara além do expectável?
                Que euandava mal, eles sabiam. Mas que tu tinhas decidido isso, jamais alguémimaginaria. Andei dias calado. Primeiro chorei sozinho, depois acompanhado, mas nunca consegui exteriorizar de outra forma. As palavras faltavam-me, porque,afinal, faltava-me tudo, de uma vez.
                Seantes achava que só um psicólogo iria entender onde eu queria chegar, agoratinha a certeza derradeira de que para não chegar onde eu queria, só esse tipode ajuda poderia intervir de alguma forma.
                Nãoterei achado estranho portanto que num desses dias tenha acordado com dores nocorpo, se a sensação que tinha era a de que estava a ser esmurrado por todos oslados. Tudo o que ainda era força eram as vozes na minha cabeça, faladas a umvolume extremo, entre gritos e palavras que eu não compreendia. E eu via e sentia o olhar de quem se preocupava comigo, sentia-o cair sobre mim e fixar-se húmido na magreza que eu arrastava. Não podia expressar-me, então, se tanto havia para explicar.
                Até quevoltei a sentar-me contigo e, frente a frente, não fui capaz de odiar-te. Comonão existia ódio? Como? Se me apetecia destruir-te e arrancar-te tudo, nem umalágrima consegui verter, nem uma frase carregada, nada.
                Tinhaentão chegado a um estado de apatia tão intenso que foi nesse momento que teminão ser capaz de voltar a ser alguém. Pois “eu” é que não era ali, certamente.
                Perdias viagens combinadas, os projectos em comum. Perdi tudo o que tinhaprogramado. E já não entendia como seria possível programar-me de outra forma.Se a ausência do teu amor era isso, o que seria a total falta do meu amorpróprio quando chegasse ao ponto de assim sucumbir?
                Aresposta chegou depressa, no dia em que empacotei todos os pedaços da nossavida. Fi-lo de forma leve e vagarosa, e no processo nem parecia sofrer demasiado,mas quando voltei atrás e vi o meu quarto vazio, testemunhei na carne o maiorsentimento de perda que até aí nunca tinha experienciado. 
                Osolhos arderam-me ao chorar com tanta violência, faltou-me o ar até me doer opeito, até praticamente sufocar entre soluços e lágrimas que corriamdescontroladas. Se disser que senti que ia morrer, não é exagero nenhum, pois aminha visão toldou-se, as minhas pernas tremeram e senti que tudo à minha voltaestava a esvair-se lentamente enquanto fiquei agachado contra uma parede fria.Estava sozinho, sem alguém que me socorresse, por isso não pude senão deixar-meficar assim. O meu coração batia tão depressa que sentia o sangue aumentar-meas veias e a dor a dilatar-me todo por dentro. E de certa morri aí.
                Foiassim, no entanto despedaçado, que tive que voltar à vida. Esperavam de mim queeu continuasse. E assim forcei-me a isso.
                Celebraria o meu aniversário daí a umas duas semanas. E no secretismo de não desistir,havia um projecto que esperava que eu avançasse. Foi esse projecto que veio decerta forma salvar-me. Foi ele. O livro.
                Estariasno lançamento. Lembras-te?
                Aprimeira dedicatória seria assinada com o teu nome.
                Nãofoi.
                Nãoestiveste.
                E nuncasenti que devias lá estar.
              Senaquele dia morri, num sentido mais ou menos figurado, noutro dia nasci. E aculpa, para o bem do mal, foi tua.
                Sem tinão teria acontecido. Mas contigo, muito menos.
                Deinício senti raiva por não conseguir odiar-te, mas depois percebi que a maiorforma de deixar-te para trás era, metaforicamente, abandonar as amarras quepoderiam ainda prender-me à imagem que tinha perpetuado de ti: aquela ideia deque eras o ar que eu respirava.
                Essaimagem continua lá. Numa qualquer linha temporal paralela, nós contínuamosjuntos e eu nunca disse que precisava de algum tipo de ajuda externa. Nem eutive essa audácia, nem tu tiveste aquela cobardia.
                Mas nalinha real da vida, eu estou num lugar em que jamais estaria se nãotivesse  tido um dia a coragem de testara tua dedicação a mim, ainda que o tenha feito de forma totalmenteinconsciente. Imaginava lá que fugirias na presença da mínima dificuldade.Desmentiria isso, aliás, se alguém com poderes de adivinhar, o futuro, viesse jurá-lo a pés juntos.
                Lembro-mede ter de facto falado contigo sobre isso e de teres dito que seríamos parasempre amigos.
                Maslembro ainda mais que, há uns anos atrás, quando decidi dar-te um beijo aodescer a rua, sem medo, não foi porque queria ser teu amigo. Mas sim porquequis provar-te que eu tinha entrado na tua vida para a mudar drasticamente. Recordas-te que esse gesto ‘anormal’ foi estranho para ti, certo?
                Eu sónão sabia que, egoísta, a única mudança aconteceria afinal comigo.
                Talvezeu tenha apenas projectado um tipo de amor que nunca saiu de mim e que tu nuncarecebeste.

                Talvezeu tenha sido o culpado.

                Talvezum dia possa entender e perdoar a ti ou a mim. Ou condenar-nos aos dois.


 Talvez alguém saiba até vir a explicar-me istode haver tanto início na palavra fim.

Renascer entre grades.

Filipe B., 25.07.15



Hoje fui apresentar o livro entre grades, no Estabelecimento Prisional de Torres Novas

Para começar, tive que deixar tudo à entrada (telemóveis, carteira, chaves, etc). Entrei depois só com o livro. E quando dei por mim, estava mesmo dentro da prisão. Sentir aquela porta pesada a fechar atrás de ti, ver que os guardas ficam de um lado e tu de outro, não é nada agradável, devo já confessar. 

Depois reunimo-nos com os reclusos e a Helena Caetano, técnica de acção social, apresentou-me, leu uma passagem da estória e depois eu apresentei o livro.

Surgiram muitas questões da parte deles, principalmente porque o personagem que eu criei, o Tomé, também está preso (de outra forma). Foi muito interessante a troca de ideias e é uma experiência marcante, a que poucos terão acesso. Para além disso discutimos temas tão diversos que até falámos de discriminação múltipla, por exemplo.

Tocou-me ver ali rapazes que têm a minha idade (e até menos). E inspiração para escrever é o que mais abunda entre grades, acreditem. Mas não posso falar muito, senão estrago tudo.

Para além disso, dois dos reclusos vão começar a escrever-me, através de cartas. Por isso imaginem só a informação brutal que vou receber deles. E nem fui eu que pedi que o fizessem, pois partiu deles essa ideia. Eu avisei logo "Olhem que ainda publico um livro sobre isso". 

Ficou então um livro para lerem e a promessa de voltar mais tarde para os visitar novamente e trocarmos ideias sobre a História.

 emotic
grin emotiFicou então um livro para lerem e a promessa de voltar mais tarde para os visitar novamente e trocarmos ideias sobre a História.

Ficou então um livro para lerem e a promessa de voltar mais tarde para os visitar novamente e trocarmos ideias sobre a História.

Uma conversa com Gonçalo S. Neves

Filipe B., 24.07.15

Gonçalo S. Neves é autor e criador da página de facebook que assina em nome próprio.  Escreve diariamente sobre sentimentos e acredita que o amor não tem género. A sua página atingiu recentemente a marca de mais de 4 mil gostos, e talvez isso vá obrigá-lo a cumprir uma promessa. Falei com o Gonçalo sobre isso, e não só.

1- Num dos textos da tua página escreveste: “Há quem acredite nodestino. Eu acredito em escolhas”. Começar a escrever assim, foi destino ou umaescolha?
A escrita sempre foi para mim umaescolha; começou pela necessidade de expressar em papel o que jamais teriacoragem de dizer directamente. Nesse texto em si, quis apenas distanciar-me daideia de que tudo o que não conseguimos explicar é culpa do destino, e simresponsabilizar-me daquilo que sou hoje, como o reflexo de várias opções quetomei na vida.
2-  Há um certo preconceito de queos homens, no geral, não são sensíveis. Podemos dizer que há portanto um certorisco quando se é homem e se decide escrever diariamente sobre sentimentos tãofortes como o amor?
Todo o ser humano é sensível –uns mais outros menos -, e os homens não podem ser excepção. Há no entantoaquela teimosia de que essa coisa do romantismo, de mostrar o que sentimos(especialmente em palavras) é coisa de mulher; não é culpa do homem, mas sim dasociedade. Não se pode com isto dizer que sentimentos tão fortes e genuínoscomo o amor tenham um género. Um homem que escreve tem tudo para ser um homeminteressante, talvez porque com a escrita desenvolva uma facilidade emexpressar o que sente, e com isso transmitir maior segurança.
3-  Desde que começaste a escrevere a formar um público (através da página no facebook) existiu algum momento querecordes de forma especial?
Sim, houve, logo de inicio,quando publiquei um texto sobre o meu pai, um dos poucos textos em que me sintocompletamente presente e transparente; um texto que, não tenho qualquer dúvida,me levou a começar a escrever. O apoio e os comentários de força e coragemmostraram-me que o mundo não está perdido, que existe compaixão e, ao mesmotempo, que – infelizmente – não estava sozinho, que o tema do texto ( aseparação dos pais e distanciamento do que é uma relação pai-filho) transmitiaum sentimento comumente.
4-  Qual é, para ti, a maiordificuldade em ser-se escritor em Portugal?
O maior problema nem é serescritor em Portugal, o problema alarga-se pelos restantes sítios do mundo. Ehá tanto talento desconhecido. Esse é o maior problema: ser conhecido. Acredibilidade é um dos factores mais importantes para que um livro sejareconhecido; é claro que o tema, o conteúdo, a história -tudo isso - é fulcral,e como eu costumo dizer: «Escrever um livro é fácil, difícil é tocar a alma comas palavras.», mas pior é quando as nossas palavras não chegam sequer à mão dequem as gostaria de ler. E é por isso que uma página de facebook, onde possamospartilhar o que escrevemos e ganhar alguma fidelidade de leitores, é tãoimportante.
 5-  E qual é o maior desafio nahora de escrever?
A escrita surge-memaioritariamente por uma ideia, uma frase, um pensamento, e o maior desafio ésimplesmente esse: dar-lhe continuidade. Gosto de negar o mundo, questionar-medo inquestionável, contrariar tudo e dar-lhe sentido. Às vezes misturo-me nomeio dessa explicação, finjo que sinto aquilo - é engraçado. Se a escrita fossesó um relato do que passámos, ou o reflexo do que sentimos, tornar-se-iaaborrecida – falo por mim.


6-  Tens algum truque paraestimular a criatividade?
Não sei se lhe chamaria umtruque. Talvez algo adquirido. Posso afirmar que tenho vários tipos de escrita:um mais sentimental e real, outro mais directo e enraivecido, e um maisutópico, onde misturo o que a realidade com a ficção. Depois tenho algumastemáticas que são quase inevitáveis – parece que acabo sempre por me explicardaquela forma. As ideias em si surgem-me especialmente em viagens e enquantoouço musica. Sentir aquilo que nos rodeia em movimento, ver pessoas a entrareme a saírem e tentar adivinhar o que lhes vai na mente. Depois há aquela coisade estar acompanhado do livro certo: lê-lo vagarosamente, questionar porque éque as coisas foram expostas desta maneira e não de outra, ou parar parareflectir numa pequena frase. A criatividade também vem muito dai, daquilo quese lê.
7-  Tens algum autor comoreferência?
Sim, tenho, chama-se PedroPaixão. É um escritor Português, já perto dos seus 60 anos, e uma grandeinfluência no que escrevo. Gosto de dizer na brincadeira que ele é o culpado detudo – de eu ler e escrever  -, que oapanhem vivo ou morto, para lhe dar uma surra danada. Não; o homem tem umaescrita soberba, curta e intensa, muita metafisica à mistura, muitas paixões eaventuras, muita melancolia e pensamento, e essencialmente muita experiência devida.
8-  E um livro favorito, existe?Ou são vários?
É uma pergunta difícil. Não hánenhum livro que possa considerar de predilecto. Tenho uma preferência  clara por literatura lusófona. Gosto deautores recentes, de literatura contemporânea (Gonçalo M. Tavares. Afonso Cruz,Valter Hugo Mãe, João Tordo, José L. Peixoto,...), e depois daquela literaturamesmo clássica (como Kafka, Herman Melville, Samuel Beckett, Hemingway,...).Agora livro, venha o diabo e escolha.
9-  Olhas para a escrita como umpassatempo ou como algo “profissional”?
Viver da escrita, poucos vivem,mas – embora seja um passatempo - tento ser profissional naquilo que faço. Seme imagino a viver das parvoíces que escrevo: Não. Contudo, continuarei aescrever.
 10- E para além deescrever, o que gostas mais de fazer nos tempos livres?
Ler  - parece-me inevitável, não? Gosto de viajar,ouvir música, ver alguns filmes ou séries, conviver com os amigos, dos dias depraia; enfim, mais do mesmo. 
11- Se pudessestrazer de volta um autor para ter uma conversa contigo durante 1 hora, quemescolherias?
Tenho um caso interessante em quequeria trazer esse tal de Pedro Paixão  auma das minhas aulas de Português, quando andava na escola secundária, paraapresentar um livro dele, então enviei-lhe um e-mail com tudo explicado edetalhado. Ele chegou a responder-me: “Gonçalo, contacta-me para este número detelefone” – e eu nunca lhe liguei. Mas esse ainda é vivo. Talvez trouxesse devolta Saramago: era um homem eloquente, abordava temas sem medo do que asociedade pudesse ou não pensar, estava-se nas tintas se aquilo que estavaprestes a publicar era o que vendia mais ou não; das pessoas mais influentes daliteratura Portuguesa.
12- Existem planospara publicares algum livro?

Na brincadeira eu costumava dizerque pensaria nisso quando chegasse aos cinco mil seguidores na página – bem, émelhor meter-me a pau. Não vivo obcecado com a ideia em escrever um livro, nemhá pressa. Não quero um livro só porque sim; se decidir editar algo será talvezuma compilação desses textos que tenho por ai espalhados pela página e pelocomputador, de forma organizada, de maneira a que, tudo junto, ganhe sentido.Mas que se falou disso recentemente, falou.

O dia em que o Carter desafiou o feminismo

Filipe B., 21.07.15

Provavalmente não sabem quem é esta pessoa. Eu também não sabia. Mas ele chama-se Carter Reynolds e ficou conhecido por ser uma webstar do Vine. Até aí tudo mal. Mas piora.

Nas últmas semanas caiu na internet um sex vídeo dele com a ex-namorada. São uns 30 segundos nojentos. Não por se tratar de sexo mas porque o que ficou explícito foi que ele tenta persuadir a rapariga a fazer algo que não queria (quem quiser que procure). Digamos que é assim: faz-me isto. Ela diz que não faz. E ele diz que ela tem que fazer e pronto (ele deve ter aprendido nas 50 Sombras).

Levantaram-se muitas vozes. Feministas gritaram. E com razão. No entanto, o mais grave foi que milhares de fãs dele saíram em sua defesa, alegando que a culpa era da namorada porque estava alcoolizada. Ou seja, a mesma desculpa de quem diz que uma mulher ao usar mini-saia está a pedir para ser violada. Portanto, uma mulher quando bebe, está também a pedir que o namorado a obrigue a realizar actos sexuais que não quer. No meio desses milhares de fãs dele, 90% eram raparigas. O que acho absolutamente grave, pois elas estão a permitir que futuramente um namorado (ou namorada) lhes faça o mesmo, ou não? 

Até aqui tudo horrível. Mas piora.

Perante a mediatização do caso, o Carter decidiu começar a usar o twitter para dizer mal da namorada e expôr pormenores da sua vida sexual.

E ainda piorou. Ontem o Carter decidiu usar o twitter de forma errada, novamente, deixando uma mensagem de despedida aos fãs, dizendo que ia suicidar-se.

Eu na verdade já desejava coisas horríveis ao rapaz, mas isso ultrapassou tudo. Não se brinca com o suicídio, não dessa forma, não quando se tem uma legião de jovens fãs (como pode?) que seguem tudo o que tu dizes e fazem disso uma lei. Não quando milhares de jovens estão DE FACTO a sofrer e pensam em suicídio como forma de fugir ao sofrimento (por razões variadas).

Não quando dizes que abusaste da tua namorada porque ela estava a pedi-las, não quando o fazes como estratégia de vitimização, não quando não pensas em matar-te verdadeiramente. 

Carter, desactiva a tua conta enquanto tens tempo. Não te odiamos completamente, pois pelo menos serviste para alarmar algumas pessoas para esta visão predominante de o homem ter sempre poder sobre a mulher, mesmo que apenas o tenha recorrendo a estratégias demasiado absurdas e socialmente intoxicantes. 

Years & Years - Communion [ opinião ]

Filipe B., 15.07.15


Indo directo ao ponto: Comunnion de Years & Years é sem sombra de dúvida o melhor álbum POP deste ano, até agora. E duvido que algum lhe faça frente até ao final do ano.

Passando ao que não é tão directo. Este trabalho não é fácil de categorizar. Há quem chame synthpop ao seu som, há quem prefire o redutor pop-dance e até quem arrisque algo como pop-indie. Mas penso que o melhor é deixar as categorias de lado e ouvi-lo sem qualquer preconceito ou ideia pré-formada.

As letras falam, na sua maioria, sobre amor, relações e sexo. E ninguém espere encontrar aqui alguma metáfora para o sentido da vida. Este é um álbum que quer encher as pistas de dança e deixar toda a gente seduzida pelos beats poderosos de Take Shelter, I Want to Love e Desire (citando apenas alguns exemplos). No entanto ainda há espaço para faixas mais introspectivas como Without, mas de entre as quais se destaca Eyes Shut, com um refrão arrebatador, sempre pautada por um ritmo envolvente. Espero que seja single (se não for já)

Custa a crer que de facto este seja apenas ainda só o primeiro trabalho do trio, pois já causa um impacto bem forte na POP moderna. Há até algo de experimental no seu som e na forma como a voz brinca por entre os variados ritmos das faixas, ora repleta de efeitos, dando mais destaque ao sintetizador, ora completamente a descoberto.

Não duvido que sirvam de exemplo (e quem sabe de inspiração) para outros artistas maiores já estabelecidos no panorama da música POP actual.

Sem qualquer ordem específica, estas são as minhas faixas favoritas (note-se que por acaso a maior parte delas faz parte das faixas que foram saíndo como divulgação antes do álbum)

- Border
- King
- Take Shelter
- Eyes Shut
- Desire
- I Want to Love
- Worship
- Ties
- Gold
- Shine

Apenas um shout out final para a faixa Ties que é VICIANTE e que arrisca ao abordar um tema mais ou menos polémico na sua letra, sem nunca entrar na sexualização gratuita.  "I wanna be the one you tie...". Perceberam qual é?

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O que espero do SVE / What I expect from EVS.

Filipe B., 14.07.15


PT: Dentro de alguns meses irei viajar para Itália e embarcar na minha primeira experiência de Serviço Voluntário Europeu (SVE). Aqui no blog vão puder acompanhar esta minha nova aventura, que começa, antes de ir, com aquilo que eu espero do SVE. 

EN: In a few months I'll be traveling to Italy to embark on my first experience of European Voluntary Service (EVS). Here on the blog you can follow my new adventure, which begins with what I expect from EVS.


1- Isto é um bocado óbvio. Conhecer outro país, outra cultura, outra língua. E não foi à toa que me candidatei para Itália, pois quis que da minha experiência de dar pudesse também receber logo algo em troca. Para mim isto será uma vantagem. Itália é um país que queria há muito conhecer, por isso é mais uma motivação que tenho como voluntário.

This is a bit obvious. I expect to know another country, another culture, another language. It wasn't for nothing that I applied to Italy, because I wanted to, from my experience, receive something in return. For me this will be an advantage. Italy is a country that I wanted to know for long, so it's an extra motivation that I have as a volunteer.

2- Aprender novas línguas. E não me refiro apenas ao italiano, mas também a línguas de outros países da Europa, pois vou estar em contacto também com outros jovens voluntários. Na prática isto vai enriquecer o meu curriculum.

Learn new languages. And I mean not only italian but also the languages of other European countries, as I will be in contact also with other young volunteers from all over Europe. In practice this will enrich my curriculum.


3- Dar tudo o que sei. Vou trabalhar com crianças que certamente precisam muito do meu apoio e sei que tenho muito para contruibuir através da educação informal. O meu objectivo é regressar de lá com a sensação de que lhes transmiti todos os ensinamentos possíveis, enquanto eu próprio aprendo algo também com eles.

To give everything I know. I will work with children who certainly need a lot of my support and I know I have a lot to contribute through informal education. My goal is to return home with the feeling that I gave them all the possible lessons, while I also learn something back too.

4 - Tenho que ser realista e dizer que já sei que vou sentir muitas saudades de casa, da família, dos amigos. Afinal vão ser 10 meses longe daqui. Mas espero também que isso me dê força para dar o melhor de mim enquanto estiver lá. Obviamente que espero também fazer novos amigos, de forma a não me sentir sozinho. E acho que isso não vai ser nada difícil. 

I have to be realistic and say that I know I'll miss home, my family, my friends. After all it's going to be 10 months away from here. But I also hope that this will give me strength to do my best while there. Obviously I also hope to make new friends, so I don't feel alone. And I think this will not be difficult.

5 - Espero ter novas oportunidades depois deste primeiro SVE, seja a nível de trabalho ou mesmo de outros tipos de voluntariado. Acima de tudo, espero sentir-me mais humano, mais preparado para novos desafios e com um currículo muito mais experiente e versátil depois de toda esta experiência que, mesmo sem ainda a ter vivido, já sei que será um momento completamente diferente e entusiasmante na minha vida.

I hope to have new opportunities after this first EVS, either at work or even at other types of volunteering. Above all, I hope to feel more human, more prepared for new challenges and with a much more experienced and versatile resume after this whole experience that I know will be a completely different and exciting moment in my life.


Forli, a cidade onde vou viver, perto de Bolonha e Florença. /
Forli, the city I'll live in, near Bologna and Firenze.

Justine - ou os infortúnios da virtude [ opinião ]

Filipe B., 13.07.15


Pode um livro destruir tudo aquilo em que acreditamos? 

A resposta é sim.

Em "Justine", o irreverente e polémico autor, Marquês de Sade, serve-nos violentamente a história de Justine (ou Teresa), pautada por tantos infortúnios quanto é possível à mente humana imaginar.

A protagonista é raptada, violada, roubada, obrigada a servir em rituais de sadomasoquismo... entre outros momentos que prefiro não revelar. 

É um livro erótico, sim. Mas é muito mais do que isso. É um livro extremamente filosófico, levando-nos a reflectir, mesmo que não o queiramos fazer entre tanta repulsa, sobre o amor, a religião, política, economia, valores morais...

É já, por isso, um dos meus livros do TOP 10 de favoritos de sempre, pois levou-me a pensar e muito sobre temas que tinha como adquiridos, mas que se apresentaram diante de mim com novas formas e com novos pontos de vista muito diferentes daquilo a que estou habituado. 

Note-se que este livro foi escrito e publicado no século XVII mas que continua tão pertinente como na altura em que foi pensado.

É um livro desconcertante, que nos testa. Sim, ele testa o nosso limite à dor, embora não a possamos sentir fisicamente, mas ela está lá, naquela frase que nos provoca, que nos faz questionar a nossa humanidade. 

Prova disso é que até meio do livro eu sentia angústia com tudo o que de mal acontecia à narradora da história, mas mais no final houve uma cena em que ri mesmo alto perante o azar da protagonista. Esse riso não foi mais do que uma porção do meu subconsciente a manifestar-se visivelmente. Parece que depois de assistir a tanta tragédia, de tanto reflectir sobre isso, até eu já tinha abandonado a minha virtude para me rir da desgraçada Teresa.

É esse o poder da literatura. E este é um livro demasiado poderoso, por isso foi tantas vezes censurado por políticos e religiosos.

Obrigatório ler. Mas não é para todos, pois acredito que muitos não consigam passar de certas páginas em que as descrições NOJENTAS de certos actos sexuais são extremamente arrepiantes... 

Inside Out: animação para adultos.

Filipe B., 12.07.15


Inside Out (Divetida-mente) é facilmente um dos melhores filmes de animação da Disney/Pixar.

Contando a história de Riley, uma menina de 11 anos que vai viver com os pais para uma cidade diferente, deixando os amigos para trás, o filme explora os seus sentimentos de alegria, tristeza, medo, raiva e repulsa, trazendo-os personificados como personagens vivos dentro da sua cabeça.

Não quero fazer spoilers, mas devo dizer apenas que este filme de animação não é para crianças, ou pelo menos os mais pequenos não vão ter o poder e (ainda) o discernimento de compreender toda a forte mensagem que é passada através das aventuras destes sentimentos e do crescimento da própria Riley.

Não estranho portanto que, ao intervalo, um menino de uns 8 anos na fila mesmo à minha frente tenha dito para o adulto que o acompanhava: "Não estou a gostar deste. O filme é muito esquisito."

E é, percebo perfeitamente. O filme tem uma profundidade brutal sobre as "doenças" da nossa mente, sobre as nossas memórias e sobre aquilo que vamos perdendo conforme nos tornámos adultos e vamos envelhecendo.

Nos momentos finais ouvia-se o fungar de várias pessoas, crescidas, pela sala. Também eu chorei e... muito. Tem cenas absolutamente tocantes, que nos lembram de que já passámos por isso e que nos obrigam a reviver momentos importantes do nosso crescimento como pessoas.

Não chorava assim num filme de animação desde Toy Story 3 ou Rei Leão

Só para terem noção do quanto foi impactante ver este exercício sobre a mente do ser humano.

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