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O blog do Fi

um português em Berlim

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um português em Berlim

A oliveira de Saramago

Filipe B., 21.12.22

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Hoje visitei a casa de Saramago em Lanzarote.

Quando digo que Saramago é o meu escritor preferido, as pessoas pensam que o é só porque é português ou porque ganhou o Nobel ou porque é ribatejano como eu. E talvez duas destas condições tenham peso na minha preferência, ainda que eu vá sempre negá-lo. Mas inegável é que as nossas vivências comuns nos aproximam. O Nobel é só um prémio. Já Saramago é o meu preferido porque, como nos disse o guia, com as suas palavras eu vejo do que é feita a pedra e não a pedra.

Visitar a sua casa, num lugar tão especial como esta ilha, foi um acto de várias emoções. Começando com o entrar no seu escritório e ouvir "Foi aqui que Saramago escreveu o Ensaio Sobre a Cegueira, primeira obra que realizou em Lanzarote". O Ensaio foi o meu primeiro livro seu, o que me fez apaixonar pelo seu modo de escrever e é hoje um dos meus livros favoritos de sempre. Já aí me caiu tudo, e depois o estar ali no meio dos seus livros, procurando o que lia. E sim, passei bastante tempo a tentar descobrir o que lia afinal o homem que escreveu "O Ano da Morte de Ricardo Reis" (provavelmente o seu livro meu favorito). E então vejo essa mesma obra na estante, ainda com marcadores e anotações do escritor. Um tesouro diante dos meus olhos, que já brilhavam. Incredulidade. Uma sensação indescritível.

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Mas foi no jardim que caí por terra, quando me contaram a história das oliveiras que trouxe do seu Ribatejo (e outra do Alentejo) para a ilha que o acolheu. Foi aí que chorei. Diante do mar, lá ao fundo. Quem já viveu fora do seu país, como eu vivo, sabe bem que passamos a vida a levar oliveiras na bagagem, atrás de nós, connosco, um bocadinho de casa sempre que se parte e reparte. Uma esperança de que estas cresçam no lugar aos quais queremos chamar casa também. No final, sem ar, arrebatado, sentei-me no jardim de Saramago e escrevi.

Que mais poderia eu fazer? 

Ana Moura vem a Berlim

Filipe B., 09.12.22

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Como tenho já algumas idas a Portugal planeadas nos próximos meses, lembrei-me de ir pesquisar se algum concerto da Ana Moura calhava numa dessas datas. 

Para minha surpresa, a primeira data que me aparece é Berlim! Nem hesitei e comprei logo dois bilhetes.

Um para mim e outro para o P., que, não sendo português, também já se rendeu ao fado.

Tudo começou, mais ou menos, quando saiu a "Andorinhas". Obriguei-o a ver o videoclip comigo... várias vezes. Depois, sempre que íamos a Portugal em visita, a música tocava em todo o lado e foi ficando como uma música da nossa união.

No Verão passado dei por ele a ouvir, de sua vontade, uma playlist de fado no Spotify e fiquei muito orgulhoso da nossa cultura. É engraçado que ele, naturalmente, não percebe nada das letras mas gosta de ouvir (pesca algumas palavras portuguesas que lhe ensinei, mas estas não são muito usadas em canções de fado...)

Mas isto funciona para os dois lados. Também eu já absorvi algumas coisas da cultura dele, a polaca, como comer muito bem e de tudo ao pequeno-almoço e menos à noite (sim, a comida é importante nas duas culturas, mas digamos que as quantidades variam muito conforme os horários).

E dizia eu: Ana Moura vem a Berlim.

O meu Portugal, o meu Ribatejo, o meu fado, vêm à minha cidade.

Ando viciado no álbum "Casa Guilhermina", que no fundo foi um redescobrir do fado para mim. E sim, também obriguei o P. a ver comigo o videoclip do "Arraial triste" enquanto lhe explicava todas as referências visuais e rítmicas à cultura do meu lindo Ribatejo (nascido e criado ao som do fandango, ah pois fui). 

E aqui devo confessar outra coisa. Um dos artistas que mais ouvi no ano passado, segundo o meu Spotify e eu confirmo, foi o Pedro Mafama. Descobri o seu "Por Este Rio Abaixo" e há muito tempo que a sonoridade e poesia de um álbum não agarravam assim em mim.

Honestamente, desconhecia que a Ana Moura e o Pedro Mafama fossem um casal (não sou muito dado à vida mais pessoal dos meus artistas), mas basta ouvir o "Casa Guilhermina" para perceber de imediato que tantas faixas respiram ares das composições do Pedro (um produtor do caraças!).

E lá vamos então os dois, eu e o P., a 18 Janeiro ao Festsaal em Kreuzberg ver a rainha do fado moderno. Já o avisei que há um certo risco de eu me emocionar bastante nessa noite (basta ouvir uma guitarra a cantar, não é?).

Estou ansioso que chegue o dia. 

Traz tu também o Pedro, Ana. E cantem lá qualquer coisinha juntos. Se não for pedir muito. 

 

A culpa

Filipe B., 03.12.22

Eu em Berlim

Escrevo isto depois de ter visto este vídeo da Uyen Ninh

Ela tornou-se famosa no Tik Tok e Instagram por fazer vídeos sobre a sua vida de emigrante na Alemanha. E 99% dos vídeos são piadas sobre o choque cultural, o mau humor dos alemães, etc, mas de vez em quando vem um vídeo destes que nos faz reflectir. 

Ela fala da culpa. Ou melhor, ela refere-se ao sentimento de culpa por vivermos num país com melhores condições a nível social, da saúde, da educação, quando sabemos que as pessoas que deixamos para trás vivem em condições piores. E no meu caso, atentem, estou a falar de dois países europeus (Portugal e Alemanha) que, em muitas coisas, não estão assim tão diferentes. A Uyen vem do Vietname e não se pode comparar, com a minha, a enorme diferença que haverá no caso dela. 

Mas sim. Ainda há muitas diferenças. Dou um exemplo. Neste momento, como já sabem pelo que contei no blog, estou desempregado, porque fiz um acordo com a empresa, perante novos despedimentos, e saí. A tranquilidade e segurança que sinto agora e o apoio que tenho a nível monetário e em relação aos meus futuros estudos nunca existiu quando, por razões bem mais injustas, fiquei desempregado em Portugal. Lá foi dramático, depressivo, tive que depender dos meus pais.

Podia agora escrever 10 mil palavras sobre como os direitos dos trabalhadores são realmente importantes aqui... mas vá.

E portanto, sim, também me passa pela cabeça muitas vezes esse pensamento. A culpa é real.

Depois, para me tranquilizar, digo sempre a mim mesmo "Tu também sacrificaste muitas coisas para ter isto": o bom tempo e o Sol do teu país. A comida. O calor do povo. A facilidade de depender SÓ da tua língua materna.

E, acreditem, isto faz tanta diferença no teu dia-a-dia. Até no cansaço, exaustão, isso da língua tem um peso tão grande. Felizmente, graças ao meu esforço, estudo e investimento em escolas e aulas privadas, isso hoje já é um problema do passado.

Bem, poderia escrever um livro sobre os prós e contras disto tudo, mas fica para outra altura. A culpa que morra sozinha. 

Primeira neve do ano em Berlim

Filipe B., 20.11.22

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Primeira neve do ano em Berlim!

Ou primeira neve deste Outono/Inverno, se quisermos ser mais precisos, pois lá no início de Janeiro bem nevou por aqui também.

Mas, para esta estação pós-Verão, este manto branquinho chegou bem cedo para o habitual.

Sinto-me sempre criança quando vejo os primeiros flocos de neve a cair. Talvez porque em criança não tinha isto.

Como é bom sermos assim relembrados de pedacinhos da nossa reconfortante inocência. 

Ela chega sempre. E às vezes quando não se espera. Como a neve. 

100 anos de Saramago

Filipe B., 16.11.22

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Há 100 anos nascia o mestre e um dos melhores e maiores escritores que este mundo já viu escrever.

Nasceu numa pequena aldeia no Ribatejo.
Deu-me alguns dos meus livros favoritos de sempre, como "A Jangada de Pedra", "Ensaio Sobre a Cegueira', "As Intermitências da Morte" e "O Ano da Morte de Ricardo Reis". Só para citar alguns.


É absolutamente, e sem qualquer dúvida, o meu escritor favorito. E é, por acaso, português e ribatejano, como eu. 🤍

Obrigado, mestre.

Viverás para sempre nas nossas estantes, nos nossos corações e na nossa memória.

Em terra também se voa

Filipe B., 01.11.22

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Hoje seria o meu primeiro dia como desempregado aqui em Berlim (e é), mas como eu não tenho um minuto de descanso, lá fui conhecer a minha nova escola e assinar o meu contracto para os estudos (foi mesmo uma coincidência). A minha avó sempre me disse "Tu és incansável, tu chegas a todo o lado". E ela tinha tanta razão. Ontem às 9 da manhã entrei na sala de reuniões da agência de emprego (como se diz aqui).

Ia todo nervoso, por ter que falar só alemão, mas como o stress e os nervos às vezes dão um impulso necessário, lá falei e em menos de 1 minuto já tinha convencido a minha responsável de que queria mesmo mesmo mesmo fazer este curso. E foi assim, até falando o meu alemão cheio de erros, que, confiante, cheguei e consegui o que queria. De Comissário de Bordo a Web Developer (ou programador) é uma distância do caraças!

Mas eu também nunca tinha sonhado ser Comissário de Bordo e fui. Tal como nunca tinha pensado viver em Itália e vivi. Tal como nunca tinha imaginado sair do meu cantinho encantado e saí. E os meus pais bem dizem e repetem. "Tu desde que saíste de casa aos 18 anos para ires para a Covilhã, nunca mais ninguém te parou". Um explorador é assim, por mais que explore, nunca dá a exploração por concluída. E se há coisa que a pandemia e o mercado de trabalho capitalista e devorador que nós temos me ensinaram é que a vida é muito curta para se ser só uma coisa. E eu já fui tantas, graças a deus, e sinto-me feliz por encontrar satisfação em tentar sempre algo novo e em não me conformar facilmente. E como me disse a minha responsável lá no centro de emprego: "Agora são... novos voos. E em terra também se voa".

Também não foi só merito meu, tive sorte com quem me calhou. Uma senhora adorável e prestável. E vá, antes de começar o curso, para a semana vou de férias, que bem mereço. No final das contas tenho muito a agradecer a todo o apoio que tive, de amigos, família, profissional (terapia foi essencial neste processo horrível e longo dos despedimentos na empresa), e ontem e hoje tive tanto orgulho em mim e em nós e no que conseguimos fazer. 

Xbox Fanfest em Madrid

Filipe B., 15.06.22

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Fui convidado pela Microsoft a estar presente no Xbox Fanfest em Madrid. Assistimos em directo, no Cines Callao, em plena Gran Via, à transmissão do evento "Xbox & Bethesda showcase", uma celebração e apresentação dos videojogos da marca que chegarão às consolas Xbox, ao PC e ao serviço de streaming (com a tecnologia da nuvem) nos próximos 12 meses.

Obrigado Microsoft por este convite.

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E um obrigado gigante também à minha amiga Andreia, que me acompanhou nesta aventura. Não podia ter melhor companhia. Tenho tanto orgulho em ti, amiga, por tudo o que passaste recentemente e por essa Força que me mostras sempre. Tive tanto medo e revolta quando há 2 anos nos chegou essa notícia tão assustadora. Nestes 2 anos os videojogos foram muitas vezes o tema das nossas conversas, nem que fosse só para não falarmos daquilo, e os videojogos foram, sim, uma forma de superação. Os teus enfermeiros que o digam. E hoje tu és um exemplo tão grande para mim e acredito, sim, que tudo se alinhou (o convite inesperado, as nossas folgas coincidirem) para que fosse assim o nosso reencontro. 

Foi uma bela e poética forma de o universo nos voltar a juntar. Admiro-te tanto, tanto. E tenho que o dizer publicamente. Minha player 2.

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Mais? Fico muito feliz em ser um embaixador Xbox (já há cerca de 2 anos), pois é a marca que eu acredito estar a dar e a fazer mais por nós jogadores, com serviços como o Game Pass, todas as formas de acessibilidade e inclusão e um foco muito grande no consumidor.

E a forma como nos receberam, como fomos tratados, com tantos mimos e ofertas (entre as quais um ano de subscrição do Game Pass). 

Vocês são os maiores!

Ainda estou nas nuvens. Que noite incrível.

E o melhor: o estar ali no meio de todos os geeks e gamers tão apaixonados como nós. 💚

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Não sejamos hipócritas

Filipe B., 02.03.22

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Ontem juntámos alguns amigos aqui de Berlim e conseguimos uma boa quantia de dinheiro que vai ser usado por outra amiga, que está na Polónia, para comprar alimentos e outros bens necessários que serão depois entregues directamente por ela às pessoas que chegam através da fronteira com a Ucrânia.

Fico contente por conseguirmos ajudar directamente e não através de alguns pedidos duvidosos (cuidado, que há alguns scam aqui pelo online). 

E tenho que fazer outro apelo. 

Nós não podemos ser reféns desta hipocrisia. 

Sei que isto nos toca mais, porque é perto, porque é como se fosse a casa do vizinho a arder, porque é o irmão branco, não um estranho de pele escura que reza a um deus diferente mas, por favor, que isto nos ensine a ver o resto do mundo também. Que isto nos ensine a ter consciência de que uma mulher e uma criança a fugir da guerra em solo do Médio Oriente também são isso: uma mulher e uma criança a fugir da guerra. 

 

 

 

Um videojogo fez-me ir a um concerto: a violência

Filipe B., 12.02.22

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Acabo de comprar bilhetes para o concerto dos Low Roar em Berlim, banda que descobri graças ao videojogo Death Stranding. As músicas da banda foram escolhidas para este jogo pelo mestre e criador Hideo Kojima

Admito que desconhecia a banda até ter começado a jogá-lo há cerca de 3 semanas.

Feliz por ter conseguido esse dia de folga e por ter comprado o meu bilhete, venho às redes sociais para partilhar o alegre acontecimento e deparo-me com uma notícia (e revolta geral sobre a mesma) que está completamente do outro lado desta questão.

Escreveu alguém, um jornalista (suponho), que o rapaz detido pelo planeado ataque à Universidade de Lisboa era "viciado em videojogos". É dada essa informação como se fosse uma justificação. "Estão a ver? Ele era viciado em videojogos, por isso se tornou violento", parece o autor desse título querer dizer-nos.

Aliás, esse é um preconceito há anos repetido e repisado pelos média em geral.

Ora, estou eu com os bilhetes para um espectáculo musical na mão, contente por ter mais um acontecimento cultural nesta vida de recentes isolamentos e eventos cancelados, e nada disto me faz sentido. Onde está aqui a violência?

Mais vos digo. Poderia escrever uma lista extensa, mas fico-me pelos primeiros videojogos que me vieram à cabeça. 

"Hellblade: Senua's Sacrifice" fez-me ler mais sobre saúde mental e terapia (num momento em que eu próprio pensava regressar às sessões com a minha terapeuta). Este jogo foi desenvolvido em conjunto com uma equipa de psicólogos e psiquiatras que ajudaram na criação de uma abordagem à saúde mental o mais real possível, sem cair nos estigmas do costume.

"God of War" (2018) fez-me interessar mais pela cultura nórdica. Por causa deste jogo pus-me a ler mais livros sobre o tema. Foi por isso que comprei e li o livro "Mitologia Nórdica" do Neil Gaiman. Cultura gera cultura, ou não?

"Assassin's Creed II". Este então é uma autêntica lição de história sobre o renascimento italiano (ou Renascença) e a cidade de Florença como palco da arte e desenvolvimento desse período da história. Foi sobretudo graças a este jogo que quis visitar Firenze. E depois disso voltei lá umas 5 vezes. Também por causa deste jogo pus-me a ler "O Príncipe" do Maquiavel (pois este aparece como personagem no jogo).

Mas sim, os videojogos tornam-nos muito violentos. Sem dúvida nenhuma. 

Ou então são os jornalistas que escrevem estas peças sem qualquer reflexão ou peso na consciência que nos tornam assim um bocadinho violentos, nem que seja num descarregar mais agressivo no inocente teclado deste meu computador, coitado, que não tem culpa nenhuma da imbecilidade de certas pessoas. 

Ora, fiquem lá com uma bonita música dos Low Roar, a ver se nos acalma.